#2- A madureza de Drummond, ser adulto e a vida sem mistificação
Tudo o que eu aprendi com o poeta mineiro
A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,
a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.
A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência
e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.
Este é o “Tudo o que quis dizer, mas só escrevi”. É parte daquilo que guardo para mim e que agora você tem acesso, diretamente do meu coração para o seu dispositivo móvel. Falo sobre literatura e tudo o que aflige minha mente. Que bom que você chegou. Caso não seja assinante, fique à vontade e clique no botão abaixo :)
1. A introspecção traduzida em palavras
Carlos Drummond de Andrade sempre foi sábio em suas palavras. Para quem o conhece pela “pedra no caminho” ou “pelo mundo, vasto mundo”, se surpreende quando o vê dizendo - ou escrevendo - sobre a vida de uma forma mais complexa.
Em “A Ingaia Ciência”, que talvez seja uma referência a “A Gaia Ciência”, de Friedrich Nietzsche, Drummond mostra uma postura de questionamento existencial e com uma pontinha de temas metafísicos e filósofos.
O poema faz parte do livro “Claro Enigma”¹, publicado em 1951. Essa é uma fase de reflexão e introspecção que se refletem na vida do poeta mineiro.
2. A minha vida adulta
Uma estrofe específica me chama a atenção:
“a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.”
Quando as responsabilidades de adulto batem à porta, a visão de mundo muda. Os dias ficam mais corridos e o tempo parece se encurtar de tal forma que 24h não são suficientes.
Cada vez mais acelerada, a vida passa. O peso da maturidade desgasta um pouco. Às vezes, sinto que estou cada vez mais presa às coisas de gente grande e penso:
“Não tenho mais tempo - e nem cabeça - para ser jovem, apesar da pouca idade”.
Hoje vejo que a maturidade e as mudanças converteram meu mundo numa cela. É assim que vejo.
3. Há alguma solução para o questionamento?
Por mais que as dificuldades surjam - e elas não vão parar de existir -, falo de um lugar de privilégio. Tenho um teto para morar, concluí a faculdade e tenho um trabalho. Tenho uma mãe com o amor maior que o mundo.
Apesar de pouco, tenho o que muitos desejam. Isso, para mim, é muito.
Se a percepção da vida como uma cela se apresentou agora aos 20 e poucos anos, me pego pensando em quem trombou primeiro com ela muito antes de eu entender como funcionava a vida.
Então, sinceramente, eu acho que não, não há uma solução para esse questionamento. Acho que, conforme os dias passam, mais responsabilidades chegam e mais rápido o tempo passa.
Mais importante as decisões se tornam e o peso delas pode impactar todo o curso do seu futuro de uma forma que você imagina. A cada dia, a sensação de cela se torna real.
Mas, se eu tivesse que dar um conselho para alguém, parafraseando Carlos Drummond de Andrade, eu diria:
“Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.”
Para pessoas ansiosas (autocrítica), o poeta diz: o que pesa hoje não vai pesar no futuro.
4. Quando os ombros já não suportarem o mundo, respire fundo e leia Drummond mais uma vez
“A Ingaia Ciência” não é o único poema complexo do mestre Drummond. Ele também escreveu “Os ombros suportam o mundo”, que tem a seguinte estrofe:
“Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
Escrevi sobre ele em novembro de 2020², ano de pandemia, quando minha família passou por dificuldades que talvez você nem pense passar um dia.
O peso dos dias era maior do que eu poderia imaginar, mas, passou. Graças a Deus, passou. Hoje, eles pesam menos do que a mão de uma criança.
Quantas coisas projetei para a minha vida em 2028 quando li esse poema. Sei que você também fez planos nos últimos anos.
Penso nele com carinho e ele ganha uma nova conotação a cada leitura. A mais recente é:
Tem coisas na vida que não vão dar certo e aqui entra a parte da mistificação. Nem tudo vai ser perfeito, nem mesmo a vida adulta.
Chega uma época em que a vida é só a vida e não há mistificação.
Notas de rodapé
1. Claro Enigma foi um presente de uma colega de turma. Alice me deu o livro em 2017 com uma dedicatória muito bonita, que diz: “Incertezas não faltam na sua vida, menina… A mudança está por vir e você está se construindo de forma linda”.
2. Me lembro como se fosse ontem de escrever sobre “Os ombros suportam o mundo” no LinkedIn. Foi a maneira que encontrei de ter esperança em um momento tão nebuloso.
Escreva você
✨ Quando você não pensa sobre a vida, o que você pensa?
Não disse, mas escrevi
Li sobre Drummond pela primeira vez nas aulas de literatura na escola. Desde então, sigo aprendendo mais sobre e com o poeta a cada novo texto.
À Alice, colega que me deu o livro: obrigada! Sempre revisito a dedicatória que escreveu, me faz lembrar de quem eu era e me faz resgatar aquela Alê destemida.
Tudo o que quis dizer, mas só escrevi
Este é um espaço onde consolido o aprendizado adquirido nas minhas leituras, além de ser um canal para fazer o que me define: escrever. Me sinto eu mesma quando coloco as palavras no papel. Leia-as a cada 15 dias diretamente na sua caixa de entrada.
Quem escreve
Sou Alessandra da Veiga, mais conhecida como Alê. Jornalista por formação, mas Redatora SEO por ofício. Tenho 2 sobrinhos lindos que são minha paixão. Além disso, amo a praia, mas não sei nadar.
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