“Aprender a compreender as coisas mínimas que acontecem todos os dias talvez seja aprender a compreender realmente o significado mais recôndito da vida.” - Caderno Proibido
Este é o “Tudo o que quis dizer, mas só escrevi”. É parte daquilo que guardo para mim e que agora você tem acesso, diretamente do meu coração para o seu dispositivo móvel. Falo sobre literatura e tudo o que aflige minha mente. Que bom que você chegou. Caso não seja assinante, fique à vontade e clique no botão abaixo :)
1. Ler, escrever e existir: entenda a relação
Escrever: ato básico na vida de qualquer pessoa, mas que não é uma realidade para os 11,4 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais que não sabem ler ou escrever. Se você consegue ler isto, agradeça pela oportunidade, pois 7% da população não tem a mesma capacidade.
A leitura e a escrita são a base do processo de aprendizagem e contribuem para o desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Entretanto, a falta de uma ou ambas as habilidades leva à exclusão social e impede a autonomia das pessoas.
Além disso, não saber escrever limita a capacidade de assinar o próprio nome. Quem dirá, de escrever a própria história. Não consigo imaginar como seria olhar para as palavras e não compreendê-las. Você já pensou em quantas pessoas convivem com essa sensação dia após dia?
Hoje, digo que escrever é o que sei fazer de melhor. Veja, isso não quer dizer que eu seja a melhor escritora, mas que é a melhor coisa que sei fazer na vida. Escrever é o que me permite avaliar as minhas decisões ao colocá-las no papel, em uma nota no celular ou em um arquivo no computador.
Essa é a prática da escrita subjetiva, uma aliada no processo terapêutico. Ela ajuda a preencher o vazio e permite que o indivíduo se desprenda de angústias e sentimentos, além de atuar como ferramenta de autorreflexão e autoconhecimento.
Valeria Cossati descobre a escrita terapêutica em um domingo, ao adquirir seu caderno preto em uma tabacaria que, por algum motivo, não deveria vender nada além de tabaco.
Assim, a protagonista de Caderno Proibido¹ lança nas páginas as suas frustrações e questionamentos sobre sua própria vida e a de sua família na Itália dos anos 50.
2. A escrita subjetiva no dia a dia como análise e construção pessoal
Publicado em 1952, Caderno Proibido, da escritora ítalo-cubana Alba de Céspedes, nos faz olhar para a vida de Valeria Cossati, de 43 anos, a partir da sua narrativa diária.
Valeria é uma mulher madura, casada e trabalhadora. Arrisco dizer, entretanto, que a personagem somente toma consciência de sua vida ao escrever sobre ela, sempre à espreita, para que não a vejam.
Durante toda a narrativa, a protagonista utiliza subterfúgios para colocar as suas palavras no papel.
A partir do texto, identificamos que Valeria é vista somente pelas lentes de mãe e dona de casa. Inclusive, ela lamenta que o marido tenha passado a chamá-la de “mamãe”, apagando, assim, a sua imagem como esposa.
Pelas minhas pesquisas, Caderno Proibido se assemelha à obra Um Teto Todo Seu (1929), de Virginia Woolf. O discurso de Woolf aborda que, se uma mulher deseja escrever ficção, ela precisa de duas coisas: dinheiro e um teto.
Valeria, apesar de não ser escritora, reivindica o direito de ter um espaço reservado para escrever, pois é no diário que ela expressa suas angústias. Ao perceber que não há um só lugar onde possa se recolher e escrever em paz, Cossati diz:
“Seja como for, tenho quarenta e três anos e me parece vergonhoso recorrer a subterfúgios infantis para escrever num caderno. Por isso, é absolutamente necessário que eu confesse a Michele e aos meninos a existência deste diário e afirme meu direito de me fechar num aposento para escrever quando tiver vontade.”
3. A escrita subjetiva é um dos recursos para a emancipação feminina
Escrever é libertador, especialmente porque permite compreender as nuances de quem somos e do que queremos. Digo que me sinto eu mesma quando escrevo, e o hábito se tornou essencial na minha vida.
A escrita me permite enxergar o que se passa dentro da minha cabeça e do meu coração. Escrever é o que me move, tanto profissionalmente quanto poeticamente.
Escrevo para mim e para os outros. Escrevo. É o que faço².
A escrita subjetiva já estava presente na minha vida muito antes de ler Caderno Proibido. Afinal, qual garota nunca teve um diário?
Lamento não ter os meus cadernos antigos, onde escrevia todas as minhas angústias e preocupações dos 11 aos 15 anos. Tenho certeza de que seriam grandes questões como: “Por que esse garoto X não gosta de mim?” ou “Por que minha mãe não me deixa ir a tal lugar?”.
Assim como a escrita se tornou fundamental para mim na tradução dos meus sentimentos em frases, ela cumpriu o mesmo papel esclarecedor para Valeria Cossati. A narrativa diária em seu caderno se transformou em uma forma de reflexão pessoal.
Os temas vão desde os papéis sociais performados pela família, passando pela comparação com as amigas que não trabalham, enquanto a protagonista mantém o seu emprego como secretária para ajudar nas finanças domésticas, até outros aspectos da sua vida.
"Valeria vai se dando conta dos caminhos que a levaram ao momento em que está — a mulher que cuida de todos mas se sente despojada de sua própria interioridade e seus desejos, simplesmente seguindo o que era considerado natural para as mulheres de sua geração" (RASCUNHO, 2024).
A partir disso, Cossati escreve sobre o seu comportamento e o analisa dia após dia. Ela observa as fissuras na construção de sua própria identidade e entende que os fatos que anota a levam a se conhecer. Entretanto, acrescenta:
“Talvez existam pessoas que, conhecendo-se, conseguem se tornar melhores; eu, porém, quanto mais me conheço, mais me perco”.
4. Escrever é viver; pratique também
Escrever não deveria ser um mistério. Expor o que se sente no papel não deveria ser tão complicado ou tão romantizado. Valeria faz isso de forma simples. Sem palavras bonitas ou metáforas grandiosas, ela escreve sobre o que vive.
Além disso, um diário não precisa ser um caderno bonito. Pode ser o aplicativo de notas do celular ou um punhado de folhas de papel deixadas na mesa de cabeceira.
Se você tem as habilidades de leitura e escrita, exercite-as. Ponha em prática, nem que seja por 5 minutos, porque tenho a certeza de que muitos brasileiros gostariam de fazer o mesmo, mas não conseguem.
Talvez você conheça o diário mais famoso do mundo: o Diário de Anne Frank, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, que narra os momentos vivenciados por um grupo de judeus confinados em um esconderijo.
Franz Kafka, um influente escritor da literatura ocidental do século XX, também mantinha um diário. A obra Diários: 1909-1923 narra seus registros pessoais e abre o caminho para entender a mente de Kafka.
Quarto de Despejo, da inconfundível Carolina Maria de Jesus, narra o cotidiano da autora como catadora de papel e as suas estratégias de sobrevivência na favela. Assim, Carolina retrata a realidade de quem vive na miséria.
Apesar dos grandes nomes citados aqui, esta edição não foi feita para mudar sua cabeça. Talvez você ainda pense que não vale a pena escrever. Mas, se me permite uma citação, aqui vai:
"Não se escreve por se querer dizer alguma coisa, escreve-se porque se tem alguma coisa para dizer." - Scott Fitzgerald
Escreva para compreender a si mesmo. Escreva para liberar o que está preso em você. Escreva. Esse é o meu recado.
Referências bibliográficas
Censo 2022: 11,4 milhões de pessoas não sabem ler e escrever. Revista Educação, 2024. Disponível em: <https://revistaeducacao.com.br/2024/05/17/censo-2022-ler/#:~:text=Dos%20163%20milh%C3%B5es%20brasileiros%20com,feira%2C%2017%2C%20pelo%20IBGE.>. Acesso em: 25 de out. de 2024.
CÉSPEDES, Alba de. Caderno proibido. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
GONÇALVES, Lívia Bueloni. Diário que liberta e assombra. Rascunho, 2023. Disponível em: <https://rascunho.com.br/ensaios-e-resenhas/diario-que-liberta-e-assombra/>. Acesso em: 21 de out. de 2024.
OLIVEIRA, Rhavenna Thais Silva; SANTANA, Euzamar de Araújo Silva; ROSA, Carlos Mendes; FERREIRA, Ruhena Kelber Abrão. A escrita como processo terapêutico. Temas em Saúde, João Pessoa, v. 19, n. 6, 2019.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo: Círculo do Livro, 2014. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4671119/mod_resource/content/0/Um%20Teto%20Todo%20Seu%20-%20Virginia%20Woolf.pdf>. Acesso em: 26/10/2024
Notas de rodapé
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Quando eu era criança, gostava de brincar de secretária. Fazia garatujas, minhas primeiras expressões gráficas. Lembro de pegar um caderno e fazer rabiscos, fingindo anotar alguma coisa. Nem imaginava que a escrita se tornaria minha fonte de renda.
Escreva você
✨ Qual foi a última vez que você parou para escrever como se sentia?
Não disse, mas escrevi
1. Li Caderno proibido pela indicação da Bruna Martiolli. À professora de literatura mais amada da internet: você mostra a todos como a literatura nos leva além. Obrigada por tudo que faz.
2. À Alessandra do passado que escreveu vários e vários diários: sinta-se feliz pela oportunidade de compartilhar com o mundo o que pensa, mesmo que às vezes tenha vergonha.
Tudo o que quis dizer, mas só escrevi
Este é um espaço onde consolido o aprendizado adquirido nas minhas leituras, além de ser um canal para fazer o que me define: escrever. Me sinto eu mesma quando coloco as palavras no papel. Leia-as a cada 15 dias diretamente na sua caixa de entrada.
Quem escreve
Sou Alessandra da Veiga, mais conhecida como Alê. Jornalista por formação, mas Redatora SEO por ofício. Tenho 2 sobrinhos lindos que são minha paixão. Além disso, amo a praia, mas não sei nadar.
Para sermos amigos, siga @aleveiga no Instagram. Para sermos parceiros em projetos profissionais, clique aqui e conecte-se comigo no LinkedIn. Será um prazer ter você nos dois canais e, claro, nas próximas news :)
Essa news foi um afago, Alê. Me coloco no time das pessoas que encontro na escrita uma forma de existir. Não conhecia o Caderno Proibido, mas coloco ele na minha lista de leitura urgentemente.
Na minha terapia, eu faço um exercício de tempos que é escrever um "Quem sou eu". É sempre duro demais fazer esse texto, porque sempre entre em conflito sobre "quem eu sou pra mim" X "quem eu sou para os outros", além de todas as nuances "do que me dizem que sou" e "do que eu quero quer".
Me pegou muito a parte em que você escreve "A partir do texto, identificamos que Valeria é vista somente pelas lentes de mãe e dona de casa. Inclusive, ela lamenta que o marido tenha passado a chamá-la de “mamãe”, apagando, assim, a sua imagem como esposa.", pois consigo relacionar com um momento da minha vida que comecei a me perceber enquanto indivíduo também através da escrita terapêutica.
Amo a existência de diários, newsletters pessoais e tudo mais que a gente conseguir por em registro. Vejo como relatos de importância da nossa existência, num mundo em nos colocar cada vez mais insignificantes.